quinta-feira, 23 de julho de 2009

Mandalas - A Ponte para a Totalidade


Tanto a dissociação entre o intelecto e a psique como a cisão do átomo...

Mandalas - A Ponte para a Totalidade

Tanto a dissociação entre o intelecto e a psique como a cisão do átomo que levou à bomba atômica demonstram uma mesma realidade: a infeliz perda da unidade do ser humano com a sua natureza original. E o caráter fragmentário de nossas vidas é bem uma expressão desse desequilíbrio, cujas conseqüências não cessam de aparecer pelo mundo - o qual todos sabemos que se mantém íntegro graças ao “equilíbrio" de forças entre as potências. É a lição imposta pela
fronteira. e absorvida a nível interior.
A importância da antiga harmonia. pode ser entendida a partir de certas práticas que nos foram legadas pelo Oriente, como é o caso da mandala. Em sânscrito, o termo mandala significa "círculo", figura esta que se encontra nas culturas mais diversas como um elemento que sintetiza a totalização da vida, Assim, vamos encontrar o símbolo do círculo no Sol, na roda, na serpente mordendo a sua cauda (ouroboros), nas rosáceas das catedrais e nas auréolas dos santos etc.

Ouroboros
Na índia e no Tibete, onde alcançaram um alto grau de artística, as mandalas associam-se à ritos mágicos, a plantas de templos ou a instrumentos de auxílio à meditação. Pintadas sobre tecido, madeira, papel ou numa superfície plana, elas constituem obras de rara beleza e complexidade acredita-se até mesmo que estabelecem uma ligação com o plano astral. Entretanto, só poderemos penetrar neste Universo de forças interiores e exteriores conhecendo o sentido e o poder dos símbolos.
Como um cosmograma, a mandala representa o cosmo em processo de emanação e reabsorção, de ação e reintegração no qual adepto entra em contato com as forças cósmicas e absorve a sua potência- Os índios navajos, por exemplo, usam mandalas para curar ou devolver a harmonia a uma pessoa doente: após o xamã ter realizado sua pintura na areia (uma mandala), o paciente anda ao redor do desenho e, por fim, ocupa um lugar no seu interior.

Carl G. Jung observou que os esquizofrênicos dispunham figuras em círculos concêntricos num impulso instintivo para reorganizar a sua imaginação. E os psicólogos modernos entenderam que a mandala também é um plano ou uma da psique do homem num plano de fundo cósmico, de modo a revelar a estrutura profunda do espírito humano. Conseqüentemente, a unidade da consciência e a descoberta do princípio ideal das coisas podem vir à tona no refluxo das experiências da psique, ativado pelo exercício da concentração.
Meditar contemplando uma mandala é também defrontar-se com imagens aterradoras: demônios, morte e decomposição. Um texto hindu explica que “são as imagens produzidas pelo teu próprio espírito", já que o homem traz em si a eterna dualidade da luz e da treva, da consciência e da paixão, do bem e do mal.
Mas de que forma a mandala favorece a meditação? A resposta está no cerne da sua rica simbologia, originada das intuições dos seus adeptos. Uma vez projetadas no mundo exterior, essas intuições pessoais servem de suporte para a concentração que faz nascer a consciência da realidade oculta, absoluta, integral e luminosa.
A mandala incorpora o processo de desintegração da unidade na multiplicidade, e da reintegração da multiplicidade na unidade, razão pela qual contém os sistemas simbólicos de todos os níveis. Ela é uma representação finita de um processo infinito, mas nada impede que se trabalhe a sua representação de modo infinito, pois o seu manancial é inesgotável. Não poderia existir um método mais perfeito de abordagem da totalidade.
A mandala geralmente é constituída de um círculo externo com um ou mais círculos concêntricos, que cercam o chamado "palácio", a morada das imagens das divindades ou dos seus emblemas. No centro, encontra-se o desenho de um quadrado dividido por linhas transversais, de modo a distinguir-se quatro triângulos; nestes é que estão situados os círculos com as referidas imagens. Cada muro desse palácio real, por assim dizer, traz uma passagem em forma de "T" que se abre para um ponto cardeal; elas representam as portas que conduzem para tudo que é alheio à nossa consciência, o inconsciente indomado. Nessas portas, é comum a presença de guardiões cujo aspecto é monstruoso, terrifico. Na periferia da mandala também costumam aparecer seres demoníacos. Sua função é proteger a sacralidade local e afastar de nós mesmos as forças interiores que interferem em nosso trajeto para a luz; é a batalha incansável do consciente para subjugar o inimigo que habita as trevas do inconsciente.
As pétalas do Lótus aberto significam a entrada na via da palingenesia (o eterno retorno), e o lótus não desabrochado, no centro, expressa a síntese primordial. Realmente, o ser humano convive com duas tendências contraditórias, urna centrífuga e outra centrípeta, as quais o impelem ora a sair de si mesmo, ora a buscar a plenitude.
Eis aí uma breve incursão na estrutura da mandala. Mas a verdade conforme assinala o pensamento budista, não conhece um só caminho para chegar aos homens. E nem a mandala se limita a único aspecto. No hinduísmo. por exemplo, existem os chamado iantras, baseados no mesmo princípio da mandala, que fazem parte dos rituais nos templos hindus
0 iantra é um diagrama linear composto de combinações de triângulos isósceles, circundados por pétalas da flor de lótus, tudo inserido num quadrado com quatro portas de cada lado, tal como a Mandala. O cruzamento dos triângulos simboliza a união dos opostos, a junção do mundo pessoal e do ego com o mundo impessoal e intemporal do não-ego; o com a ponta voltada para baixo indica a desintegração e o triângulo com posição inversa assinala a reintegração. É a união dos deuses Shiva e Shakti . Às vezes, o centro do iantra apresenta um ponto denominado bindu, a gota primordial.
Jung ouviu certa vez de um monge tibetano a explicação de que as mandalas mais impressionantes do Tibete são criadas pela imaginação, ou pela fantasia dirigida, nascente da busca do equilíbrio psicológico do grupo, ou ainda da expressão de um pensamento que não faz parte da sagrada doutrina. Isso levou o psicólogo a distinguir dois aspectos essenciais ao simbolismo da mandala: um conservador e outro criador. 0 primeiro diz respeito ao restabelecimento de uma antiga ordem, enquanto o segundo se encarrega de dar forma e expressão ao que nunca existiu.
Devido ao raciocínio eminentemente verbal e linear do homem moderno, é compreensível a sua dificuldade para captar o pensamento circular inerente a mandala. Mesmo porque a contemplação não faz parte de suas conquistas - ela sempre foi um dom natural. Então, como recuperar este símbolo dos símbolos em beneficio desse homem dividido e em desarmonia, ainda mais que o ocidental nunca cultivou o hábito da contemplação? A resposta está na mandala tridimensional que foi resgatada de um passado longínquo, tempo em que o ser humano sentia o perfeito equilíbrio do cosmo em sua vida.
A mandala tridimensional, segundo umas poucas referências, já era confeccionada aproximadamente há 3.000 anos entre as comunidades tibetanas. Isso ocorria toda vez que os líderes espirituais daquelas comunidades se reuniam para decidir sobre as transformações que julgavam necessárias. E o povo, ao tomar conhecimento das mudanças, iniciava uma grande festa comemorativa; enquanto as mulheres preparavam as comidas, os homens, orientados por esses senhores espirituais, construíam mandalas tridimensionais como uma forma de celebrar as transformações. Além disso, mandalas desse tipo serviam como instrumento de oração na índia, cumprindo uma função semelhante à do nosso tradicional rosário.

Mandala Tridimensional
Comparada a mandala plana, a tridimensional. possui um caráter lúdico que, para o ocidental, facilita o contato. Ao manipulá-la, ao explorarmos as suas possibilidades, sentimos um relaxamento que nos induz à concentração, pois as mãos estão diretamente ligadas ao sistema nervoso central. Suas figuras concêntricas atraem a nossa atenção para o objeto, ao mesmo tempo em que nos coloca em contato com o círculo, este símbolo da psique, do processo bem - acabado e perfeito. Ela nos possibilita trabalhar a motricidade, o que multiplica o poder integrador da mandala. Mas não é sempre que atuamos nela; outras vezes somos pacientes, e o símbolo age em nós independentemente da nossa vontade, organizando-nos internamente.
Outro lado que confirma esse poder integrador é o fator 9 contido na estrutura dessa "mandala de mão", que subentende a sabedoria esotérica do retorno à unidade: ela é composta de dois níveis de 9 esferas, que somadas resultam no numero 18 (1 + 8 = 9). No sentido horizontal, cada um desses níveis ainda tem unia esfera maior. A numerologia vê o 8 como o símbolo da unidade das partes no todo, representação do eterno movimento em espiral dos céus, do equilíbrio dinâmico das forças masculina (yang) e feminina (yin). 0 9, então, é a transcendência do 8, a unidade sobre a unidade, e, por encerrar a serie numérica, leva ao 1 - daí o seu poder de síntese, a base do conhecimento mandálico.
A manipulação da mandala suscita a formação de imagens que levam ao inconsciente. E não demorará muito tempo para os psicólogos descobrirem o seu valor como instrumento terapêutico, extrapolando o signo e até facilitando o contato, a própria relação terapêutica. Quando o cliente tem bloqueios na hora de transmitir as imagens de seus sonhos, por exemplo, a mandala pode auxilia-lo a rever essas imagens e assim dar-lhes um significado claro.
Na tradição gnóstica do Oriente, o corpo humano é a casa de todos os deuses, é uma síntese do universo que o abriga: por isso também está em relação com a Mandala. Os centros energéticos (chackras) que circulam a energia vital em nosso corpo possuem uma função reintegradora comparável à desse símbolo. Acontece que perdemos a consciência de que somos um microcosmo e nos distanciamos de nossa unidade primordial com o absoluto. Lembrando aquelas primeiras comunidades que existiam em harmonia com o macrocosmo e construíam mandalas para festejar suas transformações, resta-nos um alerta às nossas sociedades tão cegamente multifacetadas, nas quais o homem sobrevive com um estranho sentimento de ausência em sua vida.
E nesta busca do nosso centro em meio ao caos, da nossa harmonia interior, ressurge a mandala – síntese de todos os caminhos, ponte rumo à totalidade.

Este texto foi retirado do Curso de Mandalas da E.I.E. Caminhos da Tradição

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